Jornaleiro

Escolhi fazer jornalismo meio de olhos vendados, não nego. Fui ingênuo e achei que minha predileção pela escrita e leitura eram indícios de que a minha carreira seria jornalística. Descobri depois que não, não é o suficiente ser uma traça devoradora de livros e cravar dez em toda redação. Mas tive a sorte que nem todos têm: me apaixonei pelo curso. Comecei pelos motivos errados, mas terminei pelos certos.

Como (quase) todo garoto de 18 anos, me agarrei ao idealismo, ao sonho de ser o novo Mino, o novo Francis, o novo Herzog. Achei que sairia dali para virar do avesso o Congresso, revolucionar a imprensa marrom, bater de frente com o chefe de redação. Por que não poderia? Elogiado pelos mestres, vigor para trabalhar muito e ganhar pouco, sonhos ainda frescos e inocentes. Carne nova pronta para ser assada. E fui. Todos fomos.

É bem verdade que fui avisado. Dos professores não vinha só conhecimento, mas pitadas de realidade. É complicado, porém, enxergar por cima dos muros. A academia é inspiradora, vive-se num meio de ideias e ideais, de estudo, contemplação, pesquisa. Você não sente na pele as amarras, as mordaças, as algemas. Mas estão lá. Sempre estiveram. É só pisar fora da segurança da universidade para tentar o primeiro estágio que elas te pegam. A não ser que você trabalhe no “Diário do Éden” ou na “Folha da Terra do Nunca”.

É raro, portanto, que algum estudante de jornalismo chegue ao último ano ainda radiante e anotando tudo o que está nos slides. A desmotivação chega antes. BEM antes. E os bares, a bebida e as festas também, claro. Mas vamos falar só de quem vai pra faculdade se focar em algo bem estranho: estudar. A não ser que você passe os 4 anos sem arrumar trabalho – o que é um feito fenomenal –, a desilusão é garantida. É nessa hora que cai a ficha: quem manda não é a verdade, a objetividade, a imparcialidade. Quem manda é o dinheiro. Simples. Estude economia e você dará um ótimo jornalista.

Bom, como se já não bastassem os socos no estômago padrões, ainda houve outro agravante: a queda da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. É uma discussão longa e espinhosa, mas é certo que não animou em nada o Thyago de 19 anos que ainda nem tinha chegado à metade do curso. Não larguei e nem conheço alguém que tenha desistido especificamente por isso, mas o sentimento geral era de perda de tempo e dinheiro. Hoje tenho uma opinião menos radical e não bateria panelas até estourar os tímpanos do Gilmar Mendes, mas ainda sou contra a medida. Se não concorda, vamos marcar uma cerveja. Sério: a conversa é cabeluda.

Sei que não estou sozinho em minha decepção. A maioria das pessoas que estudaram comigo também estão com o coração partido. Aliás, sei que o problema é geral, e não só dos jornalistas. O conto de fadas que a gente vive na faculdade (sim, jovem gafanhoto que me lê, você vive uma fábula) é fruto de fatores comuns a todos os cursos e áreas do conhecimento, em maior ou menor medida. O segredo – que não é segredo – é tentar achar um lugar que te pague o suficiente pra comer e onde você não se sinta uma prostituta. Ou melhor, não se sinta TÃO prostituta. É como diz uma amiga: “Falando de trabalho, somos todos putas. A questão é achar o puteiro que mais te agrada”.

Claro que há outros degraus antes de achar o bordel mais maneiro. E são tão difíceis de subir quanto. Descobrir o que você gosta de fazer é um deles. Não adianta fazer uma faculdade. Eu terminei a minha há 2 anos e ainda não sei exatamente que caminho tomar. Cada ano que passa (ou que deixo passar) eu consigo coletar mais indícios do que eu realmente gosto. Foda, né? Convivo comigo há 23 anos e ainda tenho que ficar me sondando.

Sempre que me pego pensando mais detidamente sobre minha carreira, minha profissão e o curso que escolhi, sou categórico: não me arrependo. Era jornalismo. É jornalismo. Não há dúvida de que eu poderia ter aproveitado melhor, que poderia ter estudado mais, que poderia ter aprendido mais. Mas não adianta pensar assim, não sou o Marty McFly. Se naquela época perdi tempo com o que me atraía aos 18, hoje perderia com o que me atrai aos 23. O que importa é o que levei daqueles 4 anos e o que tenho feito com isso.

Sempre me orgulhei de ter acertado de primeira, de não ter trancado cursos, de não ter feito cursinho, de não ter sido jubilado e levado 15 anos pra me formar. “Olha só, tenho 21 anos e já tenho uma faculdade!”. Grande merda. O que vale é ter a idade que for e estar satisfeito, estar completo com aquilo que se faz para matar a fome. Se eu pudesse, ganharia meu pão com salame jogando videogame e escrevendo pra este blog. Mas não dá, não sou tão bom assim em nenhuma das duas coisas.

No final, meu recado ao jovens padawans é: você vai se desiludir. Aceite isso. E meu recado ao jovens padawans não tão jovens (afinal, somos todos aprendizes): você vai continuar se desiludindo. Não aceite isso.

8 comentários sobre “Jornaleiro

  1. Hahahahahahahahah gostei das referencias, principalmente do Marty Mcfly!uahuushua
    Well, penso que o diploma em si e um papel, que confere um status de que vc passou pela “seleta de legumes” da graduação. Seremos sempre medianos, medíocres e amem! O ubermensch seria muito chato, uma dica: estude, investigue, pense, converse sozinho (faço muito isso, uahsuahsuhuuasuh) escreva e leia, leia, leia muito e acima de tudo, viva aquilo que vc acredita. Cê deu umas dicas ao longo do texto, ficam as minhas aqui! Beijo.

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    • Sim, o diploma é um papel, mas o que ele representa não é tão banal assim. Confunde-se liberdade de expressão com sucateamento da profissão. Mas como eu disse: sentemos em uma mesa de bar para dar corda a esse assunto!

      Sobre as dicas: tenho tentado fazer exatamente isso quando o cansaço não fala (grita, brada, ruge) mais alto. Quanto a falar sozinho, você não está sozinha haha. Todos temos um pouco de esquizofrênicos.

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  2. O sucateamento da profissão e do status em que se encontra o jornalismo brasileiro, ao meu ver, decorrem muito mais de outros problemas estruturais, como: o oligopólio dos meios de comunicação, a banalidade do anonimato em que vivemos, onde as pessoas praticam suas verborragias, incitando ódio, preconceito e violência, a precarização da forma de trabalho (como foi explicado naquela reportagem que te marquei).
    Enfim, acho que a profissão jornalista tem outros problemas mais graves do que o diploma em si, não desmereço o teu diploma em jornalismo, mas ele é um papel, o que muda é o poder simbólico que conferimos a ele. Há uma frase do Foucault que é bem ilustrativa, mais ou menos assim: ” Quem não tem o papel, o almeja, quem tem o papel do conhecimento o despreza”. Tivemos grandes contribuições de jornalistas, que necessariamente não tiveram formação em uma graduação em jornalismo.
    Mas sim é o caso de discutirmos calorosamente numa mesa de bar!

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    • Concordo com você. Os problemas crônicos do jornalismo estão em um buraco mais fundo do que o da formação acadêmica. Contudo, ainda acredito que ela é necessária. Assim como um médico pode aprender a fazer suturas depois de muita tentativa e erro, um jornalista também pode aprender a fazer reportagens depois de muita parcialidade, péssimas fontes, informações desencontradas, falta de coesão, tendenciosidade, subjetividade.

      A grande diferença é que o impacto da medicina é direto, não se admite um profissional que não tenha formação. O impacto do mau jornalismo é mais subjacente, mas está lá. Enfim, não defendo universidades ou empresas, apenas estou do lado do conhecimento, da pesquisa, da experiência acadêmica.

      Temos e teremos sempre grandes jornalistas “sem formação”. Que entendem, sem a academia, que jornalismo é mais que escrever bem. É teoria, é construção de pensamento, é história, psicologia, sociologia. É responsabilidade para com a sociedade que você está influenciando. São poucos os jornalistas que têm essa visão sem passar pelos bancos da faculdade. Mas eles existem. E que continuem existindo, pois, em geral, esses são os melhores!

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